Programa Ecowomen

Mulher: Infinita

A Utopia da Singularidade e as Pluralidades Femininas

Na física acadêmica, define-se modelo como: “esquema de representações de um conjunto de fenômenos físicos (…), tendo-se como base leis físicas.” Apesar de trazer aparente  incompatibilidade, de forma incipiente, essa descrição reverbera a configuração de um  padrão de personalidade como o padrão feminino do século XXI. Afinal, admite-se a história da humanidade como um complexo de sucessões e decreta-se, alicerçando-se a visões, socialmente, recortadas da realidade, que podem, erroneamente, ser interpretadas como leis lídimas, quase matemáticas, um único modelo. Esse padrão é responsável por tentar  representar toda a  diversidade, atual e antepassada, existente e refletora nesse início de centenário; ocultando a beleza, grandiosidade e complexidade dos infinitos jeitos de ser mulher.

Em consonância, Chimamanda Adichie afirma que “Poder é a habilidade de não só contar a história de uma outra pessoa, mas de fazê-la a história definitiva daquela pessoa.” Nesse contexto, a escritora nigeriana apresenta-nos a tese do “Perigo de uma História Única”, na qual discorre sobre o apagamento histórico gerado pelo direito de narrativa a exclusivo grupo étnico-social ou, mais especificamente, indivíduo em posto de maior prestígio. Desse modo, em resposta mais explícita à procura do exemplar feminino do século tem-se: indizível, haja vista que, se entende esse ser como representante de outros, que possuem enredos individuais e coletivos, os quais, uma vez exprimidos por voz única, perdem a capacidade de integridade, alcançada apenas com justa multiplicidade, geradora de diversas formas de encarar os fluxos sociológicos, relacionados ao desenvolvimento de todas as civilizações, que construíram o mundo como é hoje. 

Por conseguinte, deve-se sustentar a importância do discurso no processo de autoafirmação de cada mulher, para que se torne o padrão de sua própria vida. Logo, a teoria arendtiana elucida o conceito de pluralidade, “Se a ação, como início, corresponde ao fato do nascimento (…), o discurso corresponde à distinção, e é a efetivação da condição humana da pluralidade, isto é, do viver como ser distinto e singular entre iguais”. Restringir, portanto, a representação universal a uma pessoa específica, é negligenciar a originalidade de todo ser que se identifica como mulher, entregando-a ao julgamento de estereótipos legitimados.

Então, como desfazer as suturas que amarram os lábios das mulheres, para que não gritem seus anseios apenas em lugar de raríssimas exceções e suas vidas sejam vistas como valiosas, independentemente, de serem premiadas, internacionalmente, ou mães-solo de 7 filhos no sertão brasileiro? As mulheres que são vistas como modelos, socialmente, representam sua própria vida e, por ela, têm direito de fala infinito. Entretanto, é utópico que compreendam a realidade das inúmeras interseccionalidades que habitam a Terra, vividas por mulheres que ocupam mais de um espaço de segregação, impostos por etnia, classe e gênero. Seguidamente, Gayatri Spivak, teórica feminista indiana, soluciona o questionamento anterior: “Ao buscar aprender a falar ao (em vez de ouvir ou falar em nome do) sujeito historicamente emudecido da mulher subalterna, o intelectual desaprende o privilégio feminino”. Em síntese, trata-se de ceder, enquanto indivíduo privilegiado, parte de seu espaço de visibilidade a quem vive na pele uma história diferente da sua, permitindo sua emancipação. Logo, relaciona-se a importância do discurso com sua possibilidade e consequência, tendo-se em vista a fundamentalidade de sua democratização, em concordância à representatividade feminina, consolidada pela fala, na definição do padrão feminino do século XXI, de modo a concluir-se que não se trata de uma mulher, mas sim de todas as mulheres, únicas, infinitas e ilimitáveis.

Referências – Imagens:

1. Obra da série “Bastidores” (1997) de Rosana Paulino. (Relaciona-se com as suturas citadas no texto).

3. Intersectionality in Gender Development, GAD Nicaragua, 2017.

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