Considerar o referencial é um imperativo na física. Uma pessoa sentada dentro de um ônibus acredita estar parada enquanto o ônibus avança, ao passo que a mesma pessoa, quando vista por alguém de fora do ônibus, está em movimento. Depende do referencial: do referencial da passageira, ela está imóvel, mas, do referencial da pedestre, a passageira está se movimentando à mesma velocidade do ônibus. Este elemento é determinante para a análise e interfere na conclusão final, se qualifica como o ponto de partida para a construção de ideias. Diante disto, é interessante questionar: a partir de qual referencial nós observamos a ciência e quais as ideias que este referencial nos permite construir?
Questionar o referencial a partir do qual observamos a ciência implica em analisar a construção do seu conceito. Se pesquisarmos sobre o termo “ciência” no Google, encontraremos como um dos significados: “corpo de conhecimentos sistematizados adquiridos via observação, identificação, pesquisa e explicação de determinadas categorias de fenômenos e fatos, e formulados metódica e racionalmente”. Logo, a ciência é um exercício racional, o que requer analisar como a razão se apresenta. Consoante Maracci (2013), com base nos estudos de Fávero (2010) e Bordo (1986), a razão se apresenta em contraposição à emoção.
Ideia advinda da herança grega na construção do pensamento que, agregada à visão cartesiana, construiu separações entre razão e emoção, mente e corpo, feminino e masculino, colocando-os em posições diferentes. Interseccionando a supervalorização da razão na ciência com a associação da mesma ao masculino, o resultado é um processo de masculinazação da ciência, revelando um viés androcêntrico (ato de colocar o homem como centro e único modelo possível) na construção do seu conceito. E é a partir deste referencial que observamos a ciência.
Quando crianças, é comum que as pessoas se projetem em algumas personalidades, sendo elas reais ou ficcionais. Estas são as referências absorvidas no processo de formação como indivíduo, que, por conseguinte, podem influir no mesmo. Mas quantas meninas conseguem olhar para os livros de ciência e dizer “eu quero ser o Albert Einstein!” ou “eu quero ser o Isaac Newton!”? Isto é, também, sobre referências. Neste caso, referências científicas, haja vista que a ideia de “cientista” é associada às referências cultivadas de quem produz ciência, sendo a figura imaginada quando se lê e/ou se ouve a palavra, afinal, deve haver uma relação que estabelece sentido entre ação e agente.
Uma pesquisa delineada pela observação da ausência de referências científicas femininas no ambiente de formação viabilizou identificar e compreender o que a autora Virginia Woolf traz ao dizer que “durante a maior parte da história, ‘Anônimo’ era uma mulher.”: um processo de apagamento histórico das mulheres que, neste caso, ocorre na área STEAM (sigla em inglês para Ciência, Tecnologia, Engenharia, Artes e Matemática), definido por mim como “Algoritmo De Apagamento”. Tal qual o algoritmo é uma sequência de passos para a execução de uma ação e envolve uma lógica em sua funcionalidade, o apagamento das mulheres na ciência também possui uma sequência de passos, uma lógica para ocorrer e resultados: a omissão de representações femininas na área científica e a consequente dificuldade de meninas se projetarem profissionalmente nesta — afinal: como ser algo que não se pode visualizar?
A astronauta estadunidense Sally Ride já dizia que isso não é possível. O Projeto Algoritmo De Apagamento: subvertido em lógica educacional STEAMinista resulta desta pesquisa e propõe uma abordagem educacional feminista em STEAM, intencionando incentivar a atuação feminina na área, porque “garantir que meninas e mulheres tenham acesso igualitário à educação em STE(A)M e, em última instância, a carreiras de STE(A)M, é um imperativo de acordo com as perspectivas de direitos humanos, científica e desenvolvimentista.” (UNESCO, 2018). Neste projeto delineado pela realização de oficinas, utilizando um sistema similar ao dos hackathons (maratonas de programação nas quais as pessoas solucionam os desafios propostos), as meninas aplicarão os conhecimentos e habilidades em STEAM edificados por capacitação visando atuar no desenvolvimento de soluções tecnológicas e inovadoras aos desafios que serão propostos tendo como referencial os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU).
O Algoritmo De Apagamento: subvertido em lógica educacional STEAMinista se relaciona de forma imediata aos ODS 04 – Educação de qualidade, ODS 05 – Igualdade de gênero e ODS 10 – Redução das desigualdades, bem como aos demais ODS à medida que os desafios serão idealizados e lançados para as meninas contempladas pela ação. É essencial incentivar não somente que estas meninas produzam ciência e tecnologia, mas que o façam com liderança ao aplicá-las na contribuição ativa à construção de uma realidade mais desenvolvida, sustentável e equitativa. Depende do referencial e, aqui, o referencial será feminino.
Autor
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Yasmin Ferreira - Jovem Embaixadora EcoWomen e idealizadora do projeto Algoritmo de Apagamento